Imagens premiadas mostram desde a chegada das primeiras chuvas no interior do Amazonas, até a cabeça de um besouro do cerrado.
Imagens da natureza, a partir de diversos prismas, predominaram entre as premiadas na edição 2024 do Prêmio de Fotografia – Ciência & Arte do CNPq. Os trabalhos premiados mostram desde a chegada das primeiras chuvas no interior do Amazonas; o céu estrelado da Serra da Canastra e uma aranha rara, na Categoria I, que agracia imagens obtidas por câmeras fotográficas, até imagens de besouro essencial ao processo de decomposição orgânica no cerrado; da formação de uma camada de sal em ensaio simulando as condições de operação de uma plataforma de petróleo e da seção transversal do caule da planta conhecida como Jaborandi, na Categoria II, que contempla imagens produzidas por instrumentos especiais.
Concedido anualmente, o prêmio está na 14ª edição e tem o objetivo de fomentar a produção de imagens com a temática de ciência, tecnologia e inovação, bem como contribuir com a divulgação e a popularização da ciência e tecnologia. São elegíveis imagens associadas à atividade científica e tecnológica do candidato e deve ter sido produzida para fundamentar trabalho de pesquisa ao qual o candidato está ou esteve vinculado.
A cerimônia de entrega será realizada durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontecerá de 13 a 19 de julho, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife. Os agraciados recebem prêmios em dinheiro de R$ 15 mil, para o primeiro lugar; R$ 10 mil, para o segundo lugar; e R$ 5 mil, para o terceiro.
Natureza vista de longe 1r2ei
André Zumak Azevedo, mestre em geografia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), foi contemplado com o primeiro lugar na Categoria I com a foto “O contraste da super célula convectiva com o complexo de lagos na Amazônia”. A imagem ilustra a chegada das primeiras chuvas, após secas severas que assolaram a região do Lago de Tefé, localizado no município de mesmo nome no estado do Amazonas e que é formado pelo alargamento do rio Tefé, um dos afluentes do rio Solimões. Segundo o texto explicativo enviado pelo premiado, a emergência climática tem imposto desafios sem precedentes aos lagos amazônicos e às populações tradicionais, que dependem dos seus serviços e recursos naturais. Problemas como secas e cheias extremas fazem com que seja fundamental monitorar esses ambientes, para, dessa forma, melhorar a compreensão científica dos impactos presentes e futuros.
Segundo colocado na mesma categoria, Daniel Rodrigues Costa Mello, doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional e atual coordenador de Extensão Universitária do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ), foi agraciado com a fotografia “Encontro intergaláctico com a beleza do cerrado”, obtida no âmbito do projeto de pesquisa “AstroExpedição Serra da Canastra – Dos queijos à nascente histórica do Velho Chico: uma viagem pelos céus estrelados da Serra da Canastra”.
A imagem foi capturada nos arredores do chamado Curral de Pedras, localizado no coração do Parque Nacional da Serra da Canastra, na madrugada de 11 de julho de 2024, quando as condições de tempo permitiram a visão da beleza das formações rochosas do cerrado e dos mosaicos de vegetação, associados ao fascínio do céu estrelado. Na imagem, um homem sentado em cima de uma pedra aprecia a Via Láctea, enquanto o céu também é o pano de fundo que ressalta as formas da vegetação nativa do Parque.
“Um tapete de luz cruza o firmamento em diagonal revelando o esplendor da Canastra e a miríade de estrelas que colorem de vida este pedaço icônico do cerrado. Na paisagem, tufos de canela-de-ema e arbustos retorcidos emergem das frestas dos blocos de quartzitos, procurando, tal como nosso forasteiro, alcançar as estrelas em sua total plenitude”, resume o autor da foto.
A AstroExpedição Serra da Canastra, de que Mello fez parte, percorreu os municípios mineiros de São Roque de Minas e Vargem Bonita entre os dias 4 e 11 de julho de 2024. A iniciativa do projeto Astroturismo nos Parques Brasileiros, da UFRJ, levou ciência, educação e cultura para escolas, comunidades e público em geral da região, partindo de atividades voltadas para a Astronomia e ciências correlatas. “A imagem premiada, registrada durante a AstroExpedição Serra da Canastra, é uma amostra dessa beleza que precisa ser preservada do efeito da poluição luminosa e de outras formas de agressão aos nossos biomas. Além disso, ela chama a atenção para a preservação do cerrado e evidencia a relevância das áreas verdes protegidas do país (no caso, o Parque Nacional da Serra da Canastra) para as ações de divulgação da ciência, pesquisa e educação, no âmbito da Astronomia”, afirma Mello.
Para Mello, ganhar o Prêmio foi além da realização pessoal. Contribuiu também para a divulgação do trabalho do projeto Astroturismo nos Parques Brasileiros (AstroParquesBR), desenvolvido na UFRJ. “Este projeto, que atua nas frentes de pesquisa e extensão, promove a valorização dos céus estrelados do Brasil como verdadeiros patrimônios, repletos de valores culturais, científicos e econômicos. A imagem exemplifica também o uso da astrofotografia e sua importância na metodologia do AstroParquesBR para revelar a beleza do céu noturno e seus mitos”, observa. O projeto de que ele faz parte tem percorrido Unidades de Conservação da Natureza do Brasil, promovendo o astroturismo como um segmento turístico de divulgação e ensino de Ciência, educação ambiental e de desenvolvimento sustentável com base no turismo científico. “O Brasil está despertando para seu alto potencial para o astroturismo, e ter o envolvimento do CNPq neste recente panorama é extremamente significativo”, completa.
Terceiro colocado na Categoria I, Pedro Henrique Martins foi premiado com a foto “Entre Cores e Espinhos: curiosidade e iração no lugar do medo”, da aranha-espinhenta Micrathena bicolor, endêmica nos Andes colombianos. Martins tirou a fotografia durante expedição ao local e diz que a viagem foi essencial para seu doutorado em zoologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele pesquisou os limites entre as espécies do grupo ao qual a aranha pertence e, na expedição, registrou o habitat, hábitos e coloração em vida do inseto, uma característica que se perde nos espécimes preservados em álcool nas coleções. “O registro foi especialmente desafiador devido ao formato tridimensional e coloração contrastante da espécie, como sugerido pelo próprio nome. A fotografia de espécimes vivos pode revelar características úteis para a delimitação de espécies, algo normalmente impraticável dada a escassez desses registros”, explica.
Para Martins, receber o prêmio é gratificante, em especial por ele ter sido contemplado por uma atividade que muitas vezes é vista como de menor importância no ambiente acadêmico. “É uma grande honra, especialmente considerando a qualidade dos trabalhos premiados nas edições anteriores. Esta conquista ganha um significado ainda maior por ter como objeto uma aranha, grupo de animais geralmente associado ao medo e ao perigo, e raramente valorizado por sua beleza”, afirma. A cada cinco pessoas, uma tem fobia de aranhas, o que contribui para a imagem negativa do inseto e o negligenciamento de ações de conservação do grupo. “Estudos indicam que a observação, o contato e o aprendizado são fundamentais para superar esse medo. Assim, imagens que destacam as cores vibrantes e o formato peculiar dessas aranhas ajudam a quebrar estereótipos, sendo um convite à curiosidade do público”, completa.
Natureza vista de perto 4oqu
Na Categoria II, o contemplado em primeiro lugar foi Alexandre Ariel da Fonseca de Souza, doutorando em Ecologia, Conservação e Biodiversidade da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que apresentou a foto “Decomposição – Conservação”, realizada no contexto do projeto de pesquisa “Ecologia da decomposição, padrões de decomposição animal e diversidade de insetos das Ordens Diptera (moscas), Hymenoptera (formigas) e Coleoptera (besouros) no Cerrado”.
A foto mostra um besouro escarabeídeo de hábito copro-necrófago da espécie Oxysternon palaemon Castelnau, essencial ao processo de decomposição de matéria orgânica no cerrado. A imagem é resultado do empilhamento de 160 fotografias de um espécime de coleção. Segundo Souza, os registros em alta resolução de espécimes de coleção tornam possível parcerias entre ecólogos e especialistas taxonomistas, muitas vezes sem a necessidade de envio de material biológico. Ademais, o registro fotográfico e o tombamento de espécimes em coleção ajudam na conservação da informação biológica e ecológica a longo prazo. “Fico muito feliz em receber este prêmio. É encorajador ter minha paixão pela fotografia reconhecida e poder mostrar um pouco do meu trabalho para um público mais amplo”, diz o agraciado.
Segundo lugar na mesma Categoria, Waldemir José Paschoalino Júnior, doutor em físico-química pela Universidade de São Paulo (USP/2016) e analista sênior no laboratório de microfabricação no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), foi contemplado com a foto “Olho Cristalizado”. A imagem foi obtida após ensaio que simula as condições de operação de uma plataforma de petróleo, em que se formam sais de carbonato de cálcio. As condições experimentais empregadas culminaram na formação de uma camada de sal distribuída de forma uniforme e que se assemelha a um olho humano.
“Um dos maiores desafios na área de garantia de escoamento da indústria de petróleo é a formação de incrustações inorgânicas. A formação dos cristais inorgânicos se dá, na maioria das vezes, pela mistura de águas incompatíveis, e esses cristais aderem à parede dos tubos, causando muitos prejuízos à produção. Por isso, muitos esforços são realizados em metodologias para predizer e/ou mitigar esse problema”, explica o premiado.
Para Paschoalino Júnior, além da honra, o Prêmio do CNPq também significa que seu trabalho uniu ciência e arte de forma significativa, tornando um aspecto da pesquisa científica ível e visualmente impactante. “É o esforço reconhecido da união entre curiosidade e da paixão por comunicar ciência de forma criativa”, comenta. A foto premiada foi tirada no âmbito do projeto “Avaliação de estabilidade e desempenho de produtos químicos por sistemas micro/mesofluídicos”, uma parceria da CNPEM com a Petrobrás.
O agraciado com o terceiro lugar na Categoria II foi José Fernando Richit, bolsista de doutorado do CNPq da área de botânica, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A imagem “Explorando a estrutura anatômica de Pilocarpus microphyllus”, obtida no contexto do projeto “Onde está a pilocarpina nessa planta? Conectando a estrutura anatômica e a microquímica no gênero Pilocarpus”, mostra o corte transversal do caule da planta Jaborandi, nome científico Pilocarpus microphyllu. Da planta é extraída a pilocarpina, substância usada no tratamento do glaucoma, condição que pode causar cegueira.
“É gratificante participar de uma pesquisa com potencial de beneficiar aqueles que dependem dessa planta como recurso terapêutico, além de poder contribuir para a divulgação da pesquisa em biodiversidade através dessa iniciativa do CNPq. Agora muitas pessoas podem contemplar algo que antes apenas eu observava no microscópio do laboratório”, reflete Richit.
Aproximação da ciência com a sociedade 2i2n6l
Ao serem comunicados do resultado desta edição, os vencedores, além dos agradecimentos habituais, ressaltaram a importância da iniciativa do Prêmio para a aproximação da ciência com a sociedade e para a divulgação científica. “A ciência é um bem coletivo e que não pertence a uma só pessoa. É fundamental que um público amplo se aproprie do conhecimento que cada um de nós produz, e o CNPq atua diretamente para tornar isso possível. É o momento de compartilhar nossos achados com uma comunidade ampla, e que vai além do universo acadêmico”, resume José Fernando Richit.
Daniel Mello por sua vez, atenta para a contribuição do CNPq no estímulo e no fomento à ciência brasileira e diz que aliar cultura e arte às atividades científicas reforça o caráter cultural da ciência, além de promover o lúdico e abrir novos caminhos, que incentivam o interesse nas carreiras científicas entre crianças e jovens. “O Prêmio Fotografia Ciência & Arte é uma amostra da versatilidade da instituição e configura-se como uma iniciativa importante para promover a interdisciplinaridade entre Ciência e Arte por meio da Fotografia. Ao agregar estas duas grandes áreas do conhecimento humano, o CNPq estimula novos olhares para a ciência, aproximando-a do público e diluindo seu perfil essencialmente tecnicista”, diz. Mello reconhece ainda que o Prêmio contribui para dar visibilidade a pesquisadores e suas instituições.
Pedro Henrique Martins, por sua vez, considera prêmios como este uma ferramenta poderosa de divulgação científica, em especial devido ao alcance dos portais e redes do CNPq. “Eles conferem visibilidade a pesquisas desenvolvidas por cientistas atuando no Brasil, que integram componentes artísticos e visuais em seus trabalhos”, diz. Martins atenta para a relevância que o impacto visual tem ganhado na difusão do conhecimento, despertando o interesse de portais de notícias, revistas de divulgação e redes sociais, possibilitando o atingimento de um público maior. “Isso é fundamental para reduzir a distância entre a produção científica nas instituições de pesquisa e a sociedade fora do ambiente acadêmico”, observa.
Ariel de Souza e Waldemir Paschoalino Júnior concordam com as afirmativas dos demais contemplados. “Na ciência, muitos de nós trabalhamos com temas bastante específicos, que podem ar despercebidos no cotidiano das pessoas. Como a fotografia é uma arte amplamente reconhecida na sociedade — afinal, quase todos apreciam uma boa imagem — prêmios como este podem dar visibilidade à pesquisa para além dos especialistas, ao mostrar que há beleza mesmo nos lugares mais inusitados”, observa Souza. Para Paschoalino Júnior, a iniciativa do CNPq com o Prêmio é fundamental para aproximar da sociedade a ciência, que muitas vezes é vista como distante. “Como pesquisador, vejo esse prêmio como uma oportunidade de tornar o conhecimento científico mais ível, visual e inspirador para o público em geral. Ao promover essa visibilidade, portanto, o CNPq contribui para valorizar o trabalho dos pesquisadores, técnicos e estudantes que estão por trás das descobertas”, diz ele.
Fonte: GOV
